sexta-feira, 1 de junho de 2012

“Casa Dr. Ribeiro da Silva” - Fernando Távora


Introdução


Foi no final da década de 40 e posteriores anos que um pouco por todo o mundo foi sentida uma urgente necessidade de renovar a arquitectura existente até então, sendo assinalada pelo movimento moderno uma nova etapa na história desta, que atingiria o seu apogeu em meados do século XX. Felizmente, Portugal não ficou “de fora”, e fez-se sentir, graças a um considerável leque de arquitectos lusitanos, o impacto desta inovadora e sofisticada arquitectura.

A casa Dr. Ribeiro da Silva  (ou casa de férias em Ofir), do arquitecto Fernando Távora,  construída em 1958, representa uma das importantes obras relativamente aos primórdios da arquitectura moderna em Portugal. Mas o que particulariza este projecto, para além do respectivo carácter modernista, é o engenho com que se criou uma casa que usufrui  de uma combinação do “tradicional” com o “novo”. Podemos afirmar que esta aglutinação de diferentes registos veio como que em resposta à procura de uma identidade arquitectónica nacional, e não é por acaso que esta habitação é considerada umas das obras pioneiras do estilo moderno em Portugal, contribuindo para a inovação de vários parâmetros, sejam eles de carácter formal, estrutural, ou programático.



Características do modo de intervenção e o modo como o projecto lhes responde

Fernando Távora afirma: “no caso presente desta habitação construída no pinhal de Ofir, procurámos, exactamente, que ela resultasse num verdadeiro composto, mais do que isso, num composto no qual entrasse em jogo uma infinidade de factores, de valor variável, é certo, mas todos, todos de considerar”¹. Pela análise e estudo que efectuámos à casa, parece-nos que esta declaração não tem lugar apenas na construção, nas influências ou estilos presentes nela, mas, sem dúvida, também na relação interior/exterior, no “composto” de momentos - e por momentos entendam-se espaços - que são inerentes e indispensáveis ao conceito do projecto.
            
           De facto, um bom projecto, nunca se avalia, ou nunca consiste no edifício por si só; é necessário afastarmo-nos da casa propriamente dita para que nos possa ser então perceptível o contexto em que a intervenção de insere, e se torne claro o verdadeiro objectivo pretendido. Tendo em conta que o projecto visava resultar numa casa de férias, era desejado principalmente um ambiente com um clima agradável, um ambiente calmo, descontraído, preguiçoso, um local que possuísse uma simpática e tranquilizante paisagem, local este que foi encontrado no pinhal de Ofir, repleto de pinheiros e outros tipos de vegetação: “(…) o terreno proporciona encantadores pontos de vista sobre o Cávado, sobre Esposende”². A relação com a natureza é, sem dúvida, um dos pontos mais fortes da casa Dr. Ribeiro da Silva, sendo que está estabelecida visualmente, ou espacialmente, pois são criadas inúmeras áreas exteriores amplas, espaços que são originados pelas direcções/delimitações das diferentes frentes da casa.
            
          É necessário salientar que o arquitecto faz questão de deixar bem clara a sua intenção no que toca a este conceito, a definição de “composto”, contrariamente a uma “mistura” que é apresentada de um modo pejorativo. Os vários elementos que Távora interliga entre si são combinados de maneira a que o obtido resulte, não numa solução homogénea no seu todo, mas antes, numa composição de diversos e por vezes distintos constituintes (de ordem construtiva ou espacial) sem que estes se justaponham/baralhem, conseguindo criar uma harmonia e coerência global, e aí é que está a grande particularidade desta casa; podemos discernir em que parte do projecto foram aplicadas técnicas tradicionalistas ou modernas, sem que estas nos pareçam descontextualizadas entre si, como vamos observar e evidenciar posteriormente, ao longo desta investigação.
¹˙² Excertos de um comentário escrito por Fernando Távora sobre a casa Dr. Ribeiro da Silva (sem fonte), em 1958


Análise da lógica funcional e espacial da planta que melhor representa o projecto



              Do ponto de vista da implantação, constata-se através da análise da planta (única, visto que a casa possui um único piso) que a respectiva zona foi eleita devido à proximidade com a vegetação envolvente, e que esta não foi evitada, pois houve a intenção de inserir a casa no terreno muito naturalmente, “encaixado-a” até, de certa forma, entre os pinheiros. Para reforçar a ideia de harmonia com o ambiente  natural circundante há também uma procura de acolher espaços exteriores, como se de abrigos se tratasse (espaços de qualidade espacial/ambiental, como foi referido anteriormente), e as paredes, os muros que delimitam os corpos da casa, estão colocados estrategicamente, conferindo a respectiva protecção a essas zonas - “No Verão sopra ali o enervante vento Norte, no Inverno o castigador Sudoeste”³, afirma Fernando Távora, procedendo então à colocação de muros voltados para Norte e Sudoeste, disposição que criou a oportunidade da “admissão” de um pátio num local priveligiado [1].   
             
             A casa desenvolve-se em três áreas distintas, cada uma delas bem definida através não só da sua função, mas também do seu volume, algo que é perceptível exteriormente, e onde tal transparência já adquire um carácter moderno. Estes três núcleos que constituem a construção – quartos, sala e serviços - são articulados através de um eixo, um corredor após o hall, a partir do qual se tem acesso a cada um deles, ou ao exterior [2].                                                     
             Esta tentativa de seguir realmente a ideia de um funcionalismo geral, veio já despertar a arquitectura portuguesa, para o que poderia vir a ser uma prioridade, ou um factor que devia ser mais tido em conta.
             Estão também imediatamente presentes na planta características provenientes do modernismo, como a adopção do conceito de living room, que revela uma atitude de informalidade e que valoriza sobretudo o conforto e a flexibilidade. Desenvolve-se num espaço amplo, havendo um objectivo claro em proporcionar um grande contacto com o exterior e consequentemente tirar partido da iluminação, algo que se pode constatar devido ao envidraçado que se estende ao longo deste compartimento, oferecendo o pátio lá fora como cenário [3].
               As restantes duas áreas que constituem a casa acabam por se tornar mais privadas, pois fecham-se mais ao exterior. Há um cuidado notório em relação a estas duas partes no que toca ao aproveitamento do espaço e disposição dos elementos pertencentes a cada uma delas; olhando para a planta no seu total, evidencia-se igualmente uma hierarquia no que toca ao espaço aberto de que cada compartimento dispõe, e é dada mais importância à sala de estar. As zonas de circulação no interior, nomeadamente no que toca à área dos quartos apresentam-se na forma de um momento puramente transitivo devido à sua menor dimensão e iluminação (o corredor é estreito e sem janelas/relação com o exterior), não convidando à permanência.
             O contacto com o exterior mantém-se em todas as partes da casa, não só devido a janelas, mas à presença de acessos ao pátio a partir de qualquer um dos três membros que compõem esta habitação.

Análise da lógica funcional e espacial do corte que melhor representa o projecto

 Também em corte a repartição de funções é clara: neste caso, distinguimos a parte que diz respeito à sala, e a que contém os quartos, sendo ainda mostrado um pouco do corpo que as interliga, como se fosse uma peça na qual são engrenados os volumes que constituem o projecto.
                A entrada da casa aparece em vista do lado direito como um elemento discreto, que tenta passar despercebido em relação às outras partes, as quais se afirmam e nos chamam mais a atenção pelo seu peso/dimensão. O espaço de transição que se prolonga entre as duas zonas (sala e quartos), referido anteriormente, é igualmente projectado de maneira a que não possua protagonismo, tendo um pé direito mais baixo que o resto das áreas de “permanência”.
                Mais uma vez apercebemo-nos da relação quase constante desejada com o exterior, pois são colocadas ao longo das fachadas janelas (voltadas para o pátio) e até mesmo portas, o que apela a uma ligação directa com a natureza que acompanha todo o corpo desta habitação.
                Numa atitude de persistência na união com o espaço envolvente e principalmente, de novo, com o pátio, as paredes que delimitam a casa são recuadas em relação ao telhado, obtendo-se não só um mero espaço de passagem/circulação, mas uma zona ainda mais protegida ao ar livre, que nos sugere uma estadia mais longa naquele local.
              A utilização de uma só água no telhado que diz respeito à sala, concedeu à parede voltada a Norte uma maior dimensão, e consequentemente, permitiu reforçar a ideia do “muro”, da barreira que defende o espaço exterior dos ventos provenientes da referida direcção. Em contraste, na frente contrária, cria-se uma abertura para o exterior, escolha que transmite a ideia de que o arquitecto tem como objectivo mostrar aquilo que interessa, e esconder o que é irrelevante, de uma forma determinada e forte. Isto não acontece apenas neste compartimento, mas mostra-se um pouco por todo o projecto, e não é por acaso que as aberturas mais importantes (maiores) se voltam todas para um local amplo e natural.




Aspectos do projecto mais próximos dos modelos canónicos do movimento moderno
            
             Fernando Távora faz parte de uma geração de arquitectos que ainda participou nos famosos Congressos Internacionais de Arquitectura Moderna, mas como outros da sua geração defendia uma arquitectura mais atenta às culturas e ao local onde se iria realizar o projecto.          
            Existe uma série de apontamentos modernos na casa, como por exemplo as vigas de betão que suportam o telhado, a regularidade das paredes, ou ainda a parede da garagem com uma dupla inflexão. Também podemos salientar a fonte no pátio, com um design moderno ou a organização tripartida da casa, muito presente nos projectos para Concurso para a Obtenção do Diploma de Arquitectura (CODA) da altura. A própria preocupação de estabelecer relações com o exterior já se revela fruto de um pensamento moderno, manifestado através das grandes janelas direccionadas para o pátio -  não há “medo” em criar amplas aberturas para o exterior, como observamos na sala, e no hall existente a meio do corredor da construção.
A chaminé, o único elemento para além das paredes brancas da casa pintado em todo o projecto, neste caso de amarelo, é talvez o primeiro em que reparamos. Não se esconde na pele da casa, sobressaindo em relação à parede da sala de estar como momento mais alto do projecto.
Em vez de usar a tradicional madeira, Távora escolheu vigas de betão para suportar o peso dos telhados, algo tipicamente moderno. No entanto estas vigas acabam de certa forma por ser tratadas como madeira pela maneira como terminam depois do limite das paredes em que se apoiam.
Já a inflexão da parede da garagem, embora ligeira, ajuda a resolver o ângulo que a sala de estar faz com a restante habitação, proporcionando ainda um carácter mais convidativo a este espaço. Embora pequeno, este muro orienta também quem visita a casa para a sua entrada.
Existem ainda momentos de influência corbusiana, como refere Michel Toussaint em Casa de Férias em Ofir: “Em Le Corbusier pode-se notar esta atitude e até soluções semelhantes para os quartos do edifício junto à Porte Molitor em Paris, onde habitava. Não se poderá esquecer que no trabalho de Fernando Távora para o CODA, se verifica o mesmo sentido funcionalista e soluções de clara influência corbusiana como seja a parede a rodear a banheira”.

⁴˙⁵ Luiz Trigueiros em “Casa de Férias em Ofir”, 1992
   

Aspectos do projecto que mais se distanciam dos modelos canónicos do movimento moderno

 É no entanto quando este modernismo entra em jogo com o tradicional que a casa ganha verdadeiramente riqueza, não possuindo um carácter inteiramente moderno. E não são poucos os elementos tradicionais presentes, sobressaindo o uso de madeira nas caixilharias (e não só), a sua estrutura visível no interior, mobiliário e telhados de uma água com telhas. A madeira é juntamente com a pedra o material mais antigo que o Homem utilizou para construir, materiais quase expulsos da arquitectura moderna, subsituidos pelo metal. No entanto neste projecto, os materiais “antigos” que foram referidos, ganham um papel importante, conferindo um ar acolhedor a todo o interior e uma unidade para com o exterior, pois todas as janelas e portas, tanto interiores como exteriores, são desenhadas com o mesmo material.
Toda a casa apresenta um carácter pesado, tal como dita a arquitectura que a rodeia, ao invés do aspecto leve e esguio da arquitectura moderna, conseguido através de algumas paredes exteriores que não têm grande aberturas e a estrutura interior em madeira exposta. O mobiliário, todo ele desenhado pelo arquitecto, também ajuda a esta sensação que contrasta com a arquitectura moderna, por muitos considerada fria e distante, tornando todo o espaço interior muito mais acolhedor.
Outro factor que nos leva identificar a casa Dr. Ribeiro da Silva como portuguesa é a escala com que se apresenta, pois o seu carácter relativamente comprimido torna os espaços e a casa no seu todo modesta, acolhedora e humilde, característica da arquitectura tradicional minhota, particularmente pretendida para a realização deste projecto. 
Por último, as paredes caiadas de branco são um elemento que tanto pode ser encontrado no movimento moderno como na arquitectura tradicional minhota, criando a ponte definitiva entre os dois.

Conclusão

Repetindo a citação de Fernando Távora, este procurou que o edifício fosse um “composto no qual entrasse uma infinidade de factores”, talvez numa crítica à arquitectura moderna, que não tem em conta todos os factores que este nomeia e como tal resulte por vezes em casas que são “misturas” ou até mesmo “mixórdias”. Para além de ter atenção a tudo o que era uma casa de férias moderna na altura, foi importante para o arquitecto as necessidades da família, o envolvente próximo da casa bem como a arquitectura tradicional e os materiais disponíveis na zona, entre outros. Desta forma o projecto torna-se mais humano, mais relacionado com quem o habita e a zona em que se situa. Talvez esteja aí o verdadeiro valor da casa e do arquitecto, que apesar de ter em conta mais factores consegue que o projecto seja resolvido de uma forma simples, contendo no entanto uma série de pormenores complexos apenas visíveis após uma examinação mais cuidada.


Bibliografia
               (Autor desconhecido) Arquitectura nº59 (Julho de 1957), “Casa em Ofir”, Lisboa; ICAT

CATÁLOGO Arquitectura do Século XX: Portugal, Lisboa/Frankfurt; Prestel-Verlag, 1997, p.50
COELHO, Paulo, Fernando Távora, Vila do Conde; Quidnovi, 2011

ESPOSITO, Antonio; LEONI, Giovanni, Fernando Távora: Opera completa, Milão; Electa Spa, 2005
LEONI, Giovanni, Casabella nº 678 (Maio de 2000), p.12
MADAÍL, Fernando, “O mestre da nossa arquitectura”, Setembro de 2005, in http://www.dn.pt/inicio/interior.aspx?content_id=621274
TORMENTA, Paulo, “Fernando Távora – do problema da casa portuguesa, à casa de férias de Ofir” in http://upcommons.upc.edu/revistes/bitstream/2099/2283/1/06.fernando_tavora.pdf
TRIGUEIROS, Luiz, Casa de Férias em Ofir, Lisboa; Editorial Blau, 1992
TRIGUEIROS, Luiz, Fernando Távora, Lisboa; Editorial Blau, 1993

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            Manuel Martins nº 66129
Pedro Aires nº 64950
Pedro Tavares nº 64952
Tomás Osswald nº 64919                                                                    01-06-2012





Trabalho de Síntese Final | UC Geometria




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