Introdução
Foi
no final da década de 40 e posteriores anos que um pouco por todo o mundo foi
sentida uma urgente necessidade de renovar a arquitectura existente até então,
sendo assinalada pelo movimento moderno uma nova etapa na história desta, que
atingiria o seu apogeu em meados do século XX. Felizmente, Portugal não ficou
“de fora”, e fez-se sentir, graças a um considerável leque de arquitectos
lusitanos, o impacto desta inovadora e sofisticada arquitectura.
A casa Dr. Ribeiro da Silva (ou
casa de férias em Ofir), do
arquitecto Fernando Távora, construída
em 1958, representa uma das importantes obras relativamente aos primórdios da
arquitectura moderna em Portugal. Mas o que particulariza este projecto, para
além do respectivo carácter modernista, é o engenho com que se criou uma casa
que usufrui de uma combinação do
“tradicional” com o “novo”. Podemos afirmar que esta aglutinação de diferentes
registos veio como que em resposta à procura de uma identidade arquitectónica
nacional, e não é por acaso que esta habitação é considerada umas das obras
pioneiras do estilo moderno em Portugal, contribuindo para a inovação de vários
parâmetros, sejam eles de carácter formal, estrutural, ou programático.
Características do modo de
intervenção e o modo como o projecto lhes responde
Fernando
Távora afirma: “no caso presente desta habitação construída no pinhal de Ofir,
procurámos, exactamente, que ela resultasse num verdadeiro composto, mais do
que isso, num composto no qual entrasse em jogo uma infinidade de factores, de
valor variável, é certo, mas todos, todos de considerar”¹. Pela análise e estudo que efectuámos à casa, parece-nos que
esta declaração não tem lugar apenas na construção, nas influências ou estilos
presentes nela, mas, sem dúvida, também na relação interior/exterior, no
“composto” de momentos - e por momentos entendam-se espaços - que são inerentes
e indispensáveis ao conceito do projecto.
De
facto, um bom projecto, nunca se avalia, ou nunca consiste no edifício por si
só; é necessário afastarmo-nos da casa propriamente dita para que nos possa ser
então perceptível o contexto em que a intervenção de insere, e se torne claro o
verdadeiro objectivo pretendido. Tendo em conta que o projecto visava resultar
numa casa de férias, era desejado principalmente um ambiente com um clima
agradável, um ambiente calmo, descontraído, preguiçoso, um local que possuísse
uma simpática e tranquilizante paisagem, local este que foi encontrado no
pinhal de Ofir, repleto de pinheiros e outros tipos de vegetação: “(…) o
terreno proporciona encantadores pontos de vista sobre o Cávado, sobre
Esposende”². A relação com a natureza é, sem dúvida, um dos pontos mais
fortes da casa Dr. Ribeiro da Silva,
sendo que está estabelecida visualmente, ou espacialmente, pois são criadas
inúmeras áreas exteriores amplas, espaços que são originados pelas
direcções/delimitações das diferentes frentes da casa.
É
necessário salientar que o arquitecto faz questão de deixar bem clara a sua
intenção no que toca a este conceito, a definição de “composto”, contrariamente
a uma “mistura” que é apresentada de um modo pejorativo. Os vários elementos que
Távora interliga entre si são combinados de maneira a que o obtido resulte, não
numa solução homogénea no seu todo, mas antes, numa composição de diversos e
por vezes distintos constituintes (de ordem construtiva ou espacial) sem que
estes se justaponham/baralhem, conseguindo criar uma harmonia e coerência
global, e aí é que está a grande particularidade desta casa; podemos discernir
em que parte do projecto foram aplicadas técnicas tradicionalistas ou modernas,
sem que estas nos pareçam descontextualizadas entre si, como vamos observar e
evidenciar posteriormente, ao longo desta investigação.
¹˙² Excertos de um comentário escrito
por Fernando Távora sobre a casa Dr.
Ribeiro da Silva (sem fonte), em 1958
Análise da lógica funcional e
espacial da planta que melhor representa o projecto
Do
ponto de vista da implantação, constata-se através da análise da planta (única,
visto que a casa possui um único piso) que a respectiva zona foi eleita devido
à proximidade com a vegetação envolvente, e que esta não foi evitada, pois
houve a intenção de inserir a casa no terreno muito naturalmente, “encaixado-a”
até, de certa forma, entre os pinheiros. Para reforçar a ideia de harmonia com
o ambiente natural circundante há também
uma procura de acolher espaços exteriores, como se de abrigos se tratasse
(espaços de qualidade espacial/ambiental, como foi referido anteriormente), e
as paredes, os muros que delimitam os corpos da casa, estão colocados estrategicamente,
conferindo a respectiva protecção a essas zonas - “No Verão sopra ali o
enervante vento Norte, no Inverno o castigador Sudoeste”³, afirma Fernando Távora, procedendo então à colocação de
muros voltados para Norte e Sudoeste, disposição que criou a oportunidade da
“admissão” de um pátio num local priveligiado [1].
A casa desenvolve-se em três
áreas distintas, cada uma delas bem definida através não só da sua função, mas
também do seu volume, algo que é perceptível exteriormente, e onde tal
transparência já adquire um carácter moderno. Estes três núcleos que constituem
a construção – quartos, sala e serviços - são articulados através de um eixo,
um corredor após o hall, a partir do
qual se tem acesso a cada um deles, ou ao exterior [2].
Esta
tentativa de seguir realmente a ideia de um funcionalismo geral, veio já
despertar a arquitectura portuguesa, para o que poderia vir a ser uma
prioridade, ou um factor que devia ser mais tido em conta.
Estão
também imediatamente presentes na planta características provenientes do
modernismo, como a adopção do conceito de living
room, que revela uma atitude de informalidade e que valoriza sobretudo o
conforto e a flexibilidade. Desenvolve-se num espaço amplo, havendo um
objectivo claro em proporcionar um grande contacto com o exterior e
consequentemente tirar partido da iluminação, algo que se pode constatar devido
ao envidraçado que se estende ao longo deste compartimento, oferecendo o pátio
lá fora como cenário [3].
As
restantes duas áreas que constituem a casa acabam por se tornar mais privadas,
pois fecham-se mais ao exterior. Há um cuidado notório em relação a estas duas
partes no que toca ao aproveitamento do espaço e disposição dos elementos pertencentes
a cada uma delas; olhando para a planta no seu total, evidencia-se igualmente
uma hierarquia no que toca ao espaço aberto de que cada compartimento dispõe, e
é dada mais importância à sala de estar. As zonas de circulação no interior, nomeadamente
no que toca à área dos quartos apresentam-se na forma de um momento puramente
transitivo devido à sua menor dimensão e iluminação (o corredor é estreito e
sem janelas/relação com o exterior), não convidando à permanência.
O
contacto com o exterior mantém-se em todas as partes da casa, não só devido a
janelas, mas à presença de acessos ao pátio a partir de qualquer um dos três
membros que compõem esta habitação.
Análise da lógica funcional e
espacial do corte que melhor representa o projecto
A entrada da casa aparece em
vista do lado direito como um elemento discreto, que tenta passar despercebido
em relação às outras partes, as quais se afirmam e nos chamam mais a atenção
pelo seu peso/dimensão. O espaço de transição que se prolonga entre as duas
zonas (sala e quartos), referido anteriormente, é igualmente projectado de
maneira a que não possua protagonismo, tendo um pé direito mais baixo que o
resto das áreas de “permanência”.
Mais uma vez apercebemo-nos da
relação quase constante desejada com o exterior, pois são colocadas ao longo
das fachadas janelas (voltadas para o pátio) e até mesmo portas, o que apela a
uma ligação directa com a natureza que acompanha todo o corpo desta habitação.
Numa atitude de persistência na
união com o espaço envolvente e principalmente, de novo, com o pátio, as
paredes que delimitam a casa são recuadas em relação ao telhado, obtendo-se não
só um mero espaço de passagem/circulação, mas uma zona ainda mais protegida ao
ar livre, que nos sugere uma estadia mais longa naquele local.
A utilização de uma só água no telhado que diz respeito à
sala, concedeu à parede voltada a Norte uma maior dimensão, e consequentemente,
permitiu reforçar a ideia do “muro”, da barreira que defende o espaço exterior
dos ventos provenientes da referida direcção. Em contraste, na frente
contrária, cria-se uma abertura para o exterior, escolha que transmite a ideia
de que o arquitecto tem como objectivo mostrar aquilo que interessa, e esconder
o que é irrelevante, de uma forma determinada e forte. Isto não acontece apenas
neste compartimento, mas mostra-se um pouco por todo o projecto, e não é por
acaso que as aberturas mais importantes (maiores) se voltam todas para um local
amplo e natural.
Aspectos do projecto mais próximos dos modelos canónicos do movimento
moderno
Existe uma série de apontamentos modernos na casa,
como por exemplo as vigas de betão que suportam o telhado, a regularidade das
paredes, ou ainda a parede da garagem com uma dupla inflexão. Também podemos
salientar a fonte no pátio, com um design moderno ou a organização tripartida
da casa, muito presente nos projectos para Concurso para a Obtenção do Diploma
de Arquitectura (CODA) da altura⁴. A própria preocupação de estabelecer relações com o
exterior já se revela fruto de um pensamento moderno, manifestado através das
grandes janelas direccionadas para o pátio -
não há “medo” em criar amplas aberturas para o exterior, como observamos
na sala, e no hall existente a meio
do corredor da construção.
A chaminé, o único elemento para além das paredes
brancas da casa pintado em todo o projecto, neste caso de amarelo, é talvez o
primeiro em que reparamos. Não se esconde na pele da casa, sobressaindo em
relação à parede da sala de estar como momento mais alto do projecto.
Em vez de usar a tradicional madeira, Távora escolheu
vigas de betão para suportar o peso dos telhados, algo tipicamente moderno. No
entanto estas vigas acabam de certa forma por ser tratadas como madeira pela
maneira como terminam depois do limite das paredes em que se apoiam.
Já a inflexão da parede da garagem, embora ligeira,
ajuda a resolver o ângulo que a sala de estar faz com a restante habitação,
proporcionando ainda um carácter mais convidativo a este espaço. Embora pequeno,
este muro orienta também quem visita a casa para a sua entrada.
Existem ainda momentos de influência corbusiana, como
refere Michel Toussaint em Casa de Férias
em Ofir: “Em Le Corbusier pode-se notar esta atitude e até soluções
semelhantes para os quartos do edifício junto à Porte Molitor em Paris, onde
habitava. Não se poderá esquecer que no trabalho de Fernando Távora para o
CODA, se verifica o mesmo sentido funcionalista e soluções de clara influência
corbusiana como seja a parede a rodear a banheira”⁵.
Aspectos do projecto que mais
se distanciam dos modelos canónicos do movimento moderno
Toda a casa apresenta um carácter pesado, tal como
dita a arquitectura que a rodeia, ao invés do aspecto leve e esguio da
arquitectura moderna, conseguido através de algumas paredes exteriores que não
têm grande aberturas e a estrutura interior em madeira exposta. O mobiliário,
todo ele desenhado pelo arquitecto, também ajuda a esta sensação que contrasta
com a arquitectura moderna, por muitos considerada fria e distante, tornando
todo o espaço interior muito mais acolhedor.
Outro factor que nos leva identificar a casa Dr. Ribeiro da Silva como portuguesa é a escala com que se
apresenta, pois o seu carácter relativamente comprimido torna os espaços e a
casa no seu todo modesta, acolhedora e humilde, característica da arquitectura
tradicional minhota, particularmente pretendida para a realização deste
projecto.
Por último, as paredes caiadas de branco são um
elemento que tanto pode ser encontrado no movimento moderno como na
arquitectura tradicional minhota, criando a ponte definitiva entre os dois.
Conclusão
Bibliografia
CATÁLOGO Arquitectura do Século XX: Portugal, Lisboa/Frankfurt; Prestel-Verlag,
1997, p.50
COELHO, Paulo, Fernando
Távora, Vila do Conde; Quidnovi, 2011
ESPOSITO, Antonio; LEONI, Giovanni, Fernando Távora: Opera completa, Milão; Electa Spa, 2005
LEONI, Giovanni, Casabella
nº 678 (Maio de 2000), p.12
MADAÍL, Fernando, “O mestre da
nossa arquitectura”, Setembro de 2005, in http://www.dn.pt/inicio/interior.aspx?content_id=621274
TORMENTA, Paulo, “Fernando Távora
– do problema da casa portuguesa, à casa de férias de Ofir” in http://upcommons.upc.edu/revistes/bitstream/2099/2283/1/06.fernando_tavora.pdf
TRIGUEIROS, Luiz, Casa
de Férias em Ofir, Lisboa; Editorial Blau, 1992
TRIGUEIROS, Luiz, Fernando
Távora, Lisboa; Editorial Blau, 1993
Manuel
Martins nº 66129
Pedro
Aires nº 64950
Pedro
Tavares nº 64952
Tomás
Osswald nº 64919
01-06-2012
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